sábado, 30 de outubro de 2010

PORTUGAL: A CRISE DO SÉC. XIV (alguns aspectos: 2)

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CRISE POLÍTICA

As guerras marcaram presença em Portugal. Destaco, aqui, as guerras fernandinas (que não foram únicas, como te deves lembrar), pelas consequências desastrosas que tiveram:


1ª guerra: (1369 - 1371) Por morte, sem herdeiros legítimos, do rei Pedro I de Castela, D. Fernando considera-se pretendente ao trono desse reino. Tem a apoiá-lo, os reis de Aragão e de Granada. No acordo com Aragão, D. Fernando compromete-se a casar com D. Leonor, filha do rei de Aragão. A concretizar-se, seria a realização do sonho da união Ibérica.
D. Fernando é derrotado e, no tratado de paz, compromete-se a casar com D.Leonor, filha de Henrique II de Castela, a quem reconhece como rei.

2ª guerra: (1372 -1373) João de Gante, filho do rei Eduardo III de Inglaterra, assume-se, também, como pretendente ao trono de Castela. Propõe uma aliança a D. Fernando, que aceita. Durante esta guerra, Lisboa é invadida e destroçada pelas tropas castelhanas e isso leva D. Fernando a, sem consultar os ingleses, mudar de partido, reconhecendo, de novo, a legitimidade de Henrique II.

3ª guerra: (1381 - 1382) Nova aliança de D. Fernando com os ingleses; nova guerra com Castela; nova mudança de D. Fernando: de novo solidário com o rei de Castela, perde a terceira guerra. Desta vez, João de Gante também assina a paz, celebrada através do casamento do herdeiro do trono de Castela com D. Catarina, filha deste príncipe inglês.
A paz entre Portugal e Castela foi celebrada através do Tratado de Salvaterra de Magos (2/4/1383) que, entre outras cláusulas, estabelece o contrato de casamento de D. Beatriz, única filha de D. Fernando, com o próprio rei de Castela, (D. João I). Está aberto o caminho para uma das maiores crises políticas que Portugal já viveu.


CURIOSIDADES: algumas confusões diplomáticas de D. Fernando:

· A Cristandade vivia momentos de grande crise: entre 1378 e 1417 existiram dois papas em simultâneo: um, em Roma, apoiado pelos italianos e pelos ingleses (Urbano VI), outro, em Avinhão, apoiado pelos franceses e Castelhanos (Clemente VII). Esta crise só será resolvida em 1417, pela eleição, unânime, do Papa Martinho V.
Qual a atitude de D. Fernando face ao grande Cisma do Ocidente (assim se chamou esta crise na igreja)? Como em tudo o mais, nunca teve uma só atitude: foi mudando o apoio conforme estabelecia a paz com Castela, ou entrava em guerra com ela.

· Após ter estado noivo de duas Leonores, casa com uma terceira: D. Leonor Teles, odiada pelo povo e que já era casada.

· Ao longo das três guerras negociou quatro casamentos para a sua filha. Veio a casá-la com o quinto noivo, o próprio rei de Castela.

CRISE ECONÓMICA

Tal como na restante Europa, a crise começa pelo sector frumentário: anos de chuva intensa fazem apodrecer as sementes. A escassez de cereais provoca, de início, a subida dos preços a que se seguem fomes. Estas, somadas às pestes, provocam um recuo demográfico e, de seguida, crise de mão-de-obra, agravada pelas guerras. O aumento dos salários é, pois, inevitável. Simultaneamente, os camponeses abandonam os campos, agravando a situação na agricultura e nas cidades onde, apesar da grande mortandade, dificilmente encontrarão trabalho.

Se, no início do século, assistimos à subida generalizada dos preços (particularmente após a peste negra de 1348 e após a peste de 1361), entre 1370 e 1380 eles descem drasticamente, em sintonia com a baixa de preços europeia: possivelmente, a falta de dinheiro implica a diminuição da procura.
Com a desvalorização da moeda, todos aqueles que recebem rendimentos em dinheiro perdem capacidade económica. É o exemplo da classe senhorial (nobreza e clero) que, em termos relativos, sente mais a crise do que as classes populares.

A tendência para a desvalorização da moeda só começou a inverter-se no final do reinado de D. João I, e a situação só estabilizará no reinado de D. Afonso V devido à paz interna e ao afluxo de ouro que começa a chegar da costa africana.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O GIGANTE ADAMASTOR

Os Lusíadas, episódio do Adamastor. 

Este episódio (canto V) integra a narração que Vasco da Gama faz ao rei de Melinde, a seu pedido, da História de Portugal. É, portanto, Vasco da Gama quem fala.

Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando hũa noute, estando descuidados ......................... uma noite
Na cortadora proa vigiando,
Hũa nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
Potestade (disse) sublimada: .....................................  poder divino
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta, ...............................  região
Que mor cousa parece que tormenta?" ............................  maior

Não acabava, quando hũa figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida, ............................. vigorosa, imponente
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida, ............................ suja
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso, .............................. Refere-se à estátua colossal de Zeus em Rodes
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

E disse: «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas ........................... rompes os limites proibidos
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados de estranho ou próprio lenho................. navio

«Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do húmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mim que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento, ................................ Males que preparei por causa do teu atrevimento
Por todo o largo mar e pela terra
Que inda hás-de sobjugar com dura guerra.»

«Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas;
E da primeira armada que passagem ........................... a de Pedro Álvares Cabral
Fizer por estas ondas insofridas, ................................... nunca navegadas
Eu farei de improviso tal castigo
Que seja mor o dano que o perigo!»

«Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança; ................. refere-se à morte de Bartolomeu Dias
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança: .................................. persistente
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!»

Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
Lhe disse eu:–Quem és tu, que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado?
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara, ..................... amarga
Como quem da pergunta lhe pesara:

«Eu sou aquele oculto e grande cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório. ........................ naturalistas da Antiguidade Clássica
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontório,
Que para o polo antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.»