domingo, 8 de janeiro de 2012

A CARAVELA



Vimos como Gil Eanes dobrou o Bojador numa barca, navio de velas redondas e adequado à navegação oceânica, mas que não permitia bolinar [1]. Para lá do Bojador exigia-se um barco mais manobrável e robusto, que pudesse armar remos, navegar com ventos fracos ou fortes e que fosse rápido para fugir do perigo. Construímos a CARAVELA que se tornou no navio símbolo dos descobrimentos, pequena embarcação de três mastros, equipada com a revolucionária vela latina (triangular) decorada com a cruz de Cristo - símbolo da Ordem de Cristo, a ordem religiosa portuguesa de que o Infante era Mestre.


A VIDA A BORDO DAS CARAVELAS

Não damos real valor à coragem e ao esforço dos nossos descobridores se não perdermos algum tempo a aprender como era a vida a bordo.

Ao embarcar, os navios precisavam de ir abastecidos para um tempo ilimitado, por isso, animais vivos, acomodados no convés (ao lado do batel, remos, vergas, etc), barris de água e de vinho, pão, biscoito, carne salgada, peixe seco, mel, fruta seca, etc., mas também madeira e carvão ocupavam a maior parte do espaço disponível. Normalmente comiam-se os alimentos secos pois não era muito frequente fazer tempo que permitisse uma refeição quente. A alimentação era, pois, muito pobre, sobretudo em alimentos frescos.

Andava-se descalço e dormia-se onde se pudesse, à excepção do capitão que tinha um pequeno compartimento privado no castelo que se erguia à popa. O banho, como se calcula, era impensável, porque a água doce era um bem escasso e precioso.

Já que falamos em água, convém lembrar que se inquinava rapidamente, sobretudo quando submetida aos efeitos dos climas tropicais. Com alimentação tão pobre e água escassa, as doenças surgiam facilmente, particularmente o terrível escorbuto.

Era necessário fazer algumas paragens em cada viagem e os motivos eram todos importantes: abastecer de água e de alimentos frescos (diz-se: fazer aguada)[2]; consertar rombos que houvesse; limpar o casco do navio onde os moluscos se agarravam e, mais do que dificultar a viagem, poderiam corroer a madeira pondo em perigo a vida de toda a tripulação, etc.

Como a costa era desconhecida, navegava-se de dia. O convés, por ser de madeira, tinha que ser molhado diariamente. Naquelas viagens, a doença, a morte e o perigo eram os companheiros de todos os dias. Saía-se sem saber quando nem se se regressaria. O mar é a sepultura de muitos navegadores portugueses.


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[1] Bolinar, ou navegar à bolina significa a capacidade de navegar enfrentando ventos desfavoráveis.
[2] Imaginem-se as paragens feitas antes de conhecermos as línguas que falavam os povos encontrados: como comunicar? Como dizer o que se quer e se precisa? Como dizer quem somos?